Difícil não é sentir a falta de quem nos faz falta.
É pensar no tempo que falta, no tempo que não volta e sufoca, e nas voltas da vida que o tempo nos dá. Fica a esperança de que o tempo aqui me sorria e me traga a vida de volta.
E tem sorrido...


1.3.08

Até breve


Digo adeus à enorme Luanda através da pequena janela do avião. Olho a medo para a cidade lá do alto e sinto e recordo a mesma emoção que senti da primeira vez que a avistei: Luanda é mesmo assustadora. E assustadoramente feia.

Fecho a janela e também os meus olhos, como quem carrega no off de qualquer botão, desligando em urgência as emoções. Respiro só por um largo momento e penso nos momentos que se seguem. Recapitulo os próximos capítulos e revisito em pensamento a minha família. Só ela me preenche e invade de uma intensa e brutal saudade. E aqui a palavra saudade também existe e se sente como tatuagem no corpo: só desaparece se tirarmos uma parte de nós mesmos.
Abro de novo os meus olhos. Sorrio olhando para o lado em contemplação e assim me deixo adormecer, vazio e só feliz por dentro.
Hoje deixo Luanda e volto para casa, em serenos sobressaltos. Deixo Luanda e desta vez digo adeus sem vontade de voltar... Afinal não deixo nada para trás: levo comigo metade do que me importa e parto ao encontro da outra metade de mim. Parto assim sentindo em mim a vida inteira.
Mas sei que vou voltar. Em breve, de novo e como novo. Sei que tenho de voltar... E quero voltar sorrindo e com a mesma alegria com que agora digo adeus. Espero conseguir.
Volto sim... Por agora vou só respirar um pouco de mim. Porque preciso. Porque quero sentir o frio no rosto e o calor no coração. Porque quero abraçar minha família e minha vida. Preciso do seu abraço. Porque preciso agora, mais que nunca. Porque a vida não pára, e não pára de nos surpreender.
Vou por isso libertar minhas amarras e abrir os braços à vida, como a vela de um barco sentindo o vento. Vou e volto... num adeus de até breve.

27.2.08

Que M....


17.00: Saio do trabalho e pego no carro. O objectivo é chegar a horas à clínica dentária, cerca de 2 Km e hora e meia de distância. Pouco preocupado com a distância e o tempo, pois afinal tenho 90 minutos para fazer 2 Km... Mais preocupado sim com o resultado final da consulta e com o sofrimento que adiei... até hoje. É que extrair um dente em Angola é mais que motivo para preocupação...

17.30: Reparo que estou ainda no meio do trânsito... Andei 200 metros, se tanto... Mas continuo confiante. Deve ser só aqui a confusão desta rua, depois é sempre a andar...

18.00: Ainda estou na mesma rua e já decorei os anúncios todos nas casas de ambos os lados. Já meti a conversa em dia pelo telemóvel e sintonizei e gravei as estações de rádio que mais me interessam. Cantei um pouco, até reparar que no carro ao lado estavam a olhar para mim e a julgar-me doido. Contive-me. Vi finalmente se a documentação do carro estava ok e repreendi-me quando olhei para a porta e vi o lixo que se acumula, com os pacotes de leite e de sumo vazios que são por vezes o meu pequeno-almoço. Olho para o relógio e apercebo-me incrédulo que em meia hora andei apenas 10 metros. M…

18.30: Já comprei pastilhas a um miúdo que passou, para aliviar o meu stress. O ar condicionado do carro é fraquinho e começo a sentir um calor que nem sei se é do sol ou do nervosismo. Tento não pensar na consulta e no dente que vou extrair, mas acaba por se tornar inevitável. Penso que devia ter tomado o último Clonix, ou alguns comprimidos para dormir, mas que se lixe... Sou forte, não é? Ligo para a clínica, a informar que devo chegar um pouco atrasado... Afinal andei apenas mais 10 metros, mas a rua também está a acabar... Agora é só passar o cruzamento e depois é sempre a abrir. E da clínica respondem-me com o tradicional "- Não há problema”. Relaxo...

19.00: Começo a dizer asneiras. - E os carros não andam porquê? - Tu aí, anda mas é com isso! Passei o cruzamento mas o trânsito continua parado. Estudo outras alternativas, outros caminhos para chegar mais depressa ao mesmo destino... Mas aqui é tudo sentido único, não tenho hipóteses, nem para trás nem para a frente. Bem, o que vale é que liguei para a clínica a dizer que estava atrasado... Não há problema.

19.30: Estou quase, quase a chegar! É já a rua seguinte! Já sorrio, um pouco sem razão, porque afinal vou tirar um dente, não devia estar a sorrir... Mas ao menos saio deste trânsito infernal. E além disso dói-me o corpo de estar tanto tempo sentado no carro. Ai, que vontade de chegar ao dentista! Está quase! Já canto de novo, por entre as asneiras e um trânsito nunca visto...

19.45: Toca o telefone. Olha, é da clínica! Fixe, se calhar estão preocupados comigo... – Senhor, já passou da hora, fechamos às 19.30, não vai dar. - Mas eu estou já aqui! E é só virar a esquina e estou já aí! - Sim, mas o doutor já foi embora... não vai dar. - Mas a senhora disse-me que não havia problema... Eu liguei a dizer que estava atrasado e além disso estive 3 horas no trânsito para cá chegar! - Pois... mas agora só para a semana. - Que m...! Olha, vai… E chamo-lhe alguns nomes e desligo só depois.

20.00: Continuo chamando-lhe nomes enquanto perco a paciência no trânsito intransitável e nas horas intermináveis que me esperaram no ansioso regresso a casa.

25.2.08

Mais...

Muitas vezes sinto que acabo por me repetir...
É que tudo me parece mais do mesmo: beleza rara e infinda. A verdade é que me sinto fascinado com cada experiência que partilho e com cada lugar que descubro neste pequeno grande recanto do mundo. Angola tem tanto...e tanto mais para descobrir!
Sábado rumámos para norte, rumo incerto à procura de uma praia que se diz quase mítica: a praia de Santiago. Mítica pela sua beleza, que tanto ouvi falar com misterioso brilho nos olhos de quem conta histórias em noites de luar. Mítica porque em tantos e tantos meses ouvi falar dela, mas nunca soube lá ir ter ou chegar. Até hoje, em que finalmente chegou o dia certo e a incerta aventura. Assim partimos sorrindo deixando para trás a confusão de Luanda, seguindo a estrada de tristeza até ao Caxito e virando algures no meio do tempo e da estrada em direcção ao mar a oeste. Seguimos por mais estrada em caminhos de pó. Imenso pó como nevoeiro denso e feito de tão leve poeira, como se fosse apenas vapor de terra. O horizonte indistinto aos poucos foi aparecendo, como se o próprio mar fosse o sol em cada aurora. Os nossos olhares curiosos presos em crescente ansiedade, tentando olhar mais à frente, apressando o deslumbramento. Eis então que a encontrámos, pouco depois, com o mesmo desejo de quem encontra um oásis no meio do deserto. E que linda é a praia de Santiago!
Praia deserta aos nossos olhos, de imensa areia branca e mais suave que o mar. E na areia branca brilham vivas inúmeras estrelas do mar. E no mar escuro brilha a areia branca em reflexo e um sol de meio dia perfeito. E no mesmo mar, velhos e imponentes navios gastos pelas ondas e despidos pelo tempo ali descansam perdidos e esquecidos, até à eternidade.
Certo estou que foram eles que escolheram este lugar para seu eterno repouso. Se eu fosse um navio faria certamente para aqui a minha viagem derradeira.
Ao longe perdem-se na vista muitos outros barcos mudos, junto à praia que nos parece interminável. Umas poucas casas ao longe e outras mais perto de nós, das quais não se distingue nem sombra nem movimento. Para trás ficaram as dunas e um mar de planície que separa a praia do resto do mundo. À nossa frente apenas a calma e a serenidade de um mar sem fim, que nos contagia com as suas próprias emoções.
O silêncio ali é cortado apenas pelas nossas vozes. Apenas nós. E nem o som das vagas ondas se distingue no silêncio daquela praia. Naquela praia, só nós e o tempo que passou.

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