Não é gira, confesso. É ampla e comparando-a com outras merecia bem o distinto título de avenida. Mas não é nada gira. Tem altos prédios feios e velhos, no meio de outros prédios feios e novos, divididos por casas rastejantes e muros de betão. É caoticamente movimentada, ao longo das suas quatro faixas de rodagem, separadas a meio por um cimentado passeio e limitadas na margem por outros passeios com árvores frondosas cuja espécie nem sei. São grandes. Para além dos passeios marginais e junto às casas, mais uma faixa de cada lado da rua e mais lugares de estacionamento. Os tais altos prédios feios e velhos parecem sustentos pelos seus altos pilares em betão ao longo de toda a rua. Sob eles a sombra acolhe quem aqui mora ou apenas passa, dando ao espaço uma falsa sensação de frescura e à rua uma amplitude ainda maior. É sob estas arcadas que as pessoas se movimentam com relativa segurança. Não passeiam, movimentam-se. Tudo o resto é confusão e carros. Em movimento ou estacionados. Em todo o lado.
Mas a minha rua tem coisas importantes. Sim. É aliás uma das ruas mais importantes aqui em Luanda, e bem junto ao coração da cidade. Tem alguns bancos e dois hotéis. Tem um casino, sapatarias e variadas lojas de mobiliário. Tem restaurantes e outros quase restaurantes. Tem artesanato, engraxadores e casas ou pessoas de câmbio na sombra das arcadas, onde muitas outras coisas se vendem. Tem clínicas de saúde em casas coloniais, tem arrumadores prestando o seu serviço cívico por nós remunerado, e tem exagerados placards publicitários que nos olham lá do cimo dos prédios e das fachadas dos prédios altos e feios.
Mas sobre tudo isto sobretudo existe pó. Muito pó, como a neve que paira e nunca chega a cair.
Mais curioso é que todos os dias me surpreendem coisas novas aqui na minha rua. Coisas que vou aos poucos reparando, e que pela primeira vez lhes dou atenção. Dou por mim a pensar se isto ou aquilo nasceu nesta noite ou está aqui desde sempre. Nem sei. Lembro-me que no primeiro dia que aqui cheguei tudo vi e não vi nada. Não quis ver. Olhava na rua apenas para mim mesmo, pois só aí encontrava conforto. Mas ganhei nela a sua confiança e conquistei horizontes de dia para dia. Fui perdendo o receio do que via e de quem via, e aos poucos comecei a sentir-me na 'minha' rua. E já sinto isso um pouco. Sim. Dou por mim ao final de cada dia a olhar lá para fora, contemplando-a através da janela do meu quarto. A minha rua está calma à luz da luz e aos meus olhos deslumbra-me com uma rara normal beleza.
A Rua da Missão já faz parte da minha vida. Mais do que apenas uma rua em Luanda ela é para mim uma autêntica avenida. É a 'minha' avenida.
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