Difícil não é sentir a falta de quem nos faz falta.
É pensar no tempo que falta, no tempo que não volta e sufoca, e nas voltas da vida que o tempo nos dá. Fica a esperança de que o tempo aqui me sorria e me traga a vida de volta.
E tem sorrido...


2.8.07

Dia 53 - Naquele Lugar

Na velha e despida calçada que sobe até à fortaleza encontrei o restaurante mais agradável de Luanda. Naquele Lugar. Nele entra-se a medo, com a estranha sensação de estarmos a invadir qualquer casa alheia. De facto, vista de fora esta é uma casa antiga e igual a tantas outras. Portuguesa. Cá fora nem letreiro nem um só nome nem ninguém a indicar, apenas uma luz ténue nos espreita e nos convida por entre a porta entreaberta. Subimos o pial e entramos, como quem julga conhecer já o desconhecido.
Uma primeira e pequena sala nos recebe, com pinturas a óleo e estatuetas decorando as paredes rústicas e apagadas pelo tempo. Só a sala decorada nos recebe a sós e por momentos temos a certeza de que estamos enganados. Mas ao fundo da sala e em frente à porta por onde entrámos outra porta nos chama de curiosidade e através dela vemos mais luz, ouvem-se algumas vozes ao fundo, e espreitam umas escadas de pedra que nos convidam a descer.
Uma descida até ao deslumbramento. Um pátio com chão de pedra fresca e rodeado por um branco de cal das paredes gastas e altas e descobertas num brilhante céu de estrelas. Vários pátios aliás, ligados e escondidos uns dos outros por entre abertas portas e postigos. As simples mesas e cadeiras de esplanada espalhadas e ordenadas no espaço separam o poço de desejos ao fundo de uma árvore pelo meio e do verde vivo de outras plantas em vasos que vestem tudo o resto que não descrevo.
Já tinha marcado previamente este jantar, há um tempo atrás, julgando outrora que esta seria a minha última noite em Luanda antes de voltar de férias a Portugal. Já conhecia também este sítio magnífico e a amabilidade do gerente (o Nanni) que sabe muito bem como se faz uma casa - sem letreiros à porta. Já conhecia a divindade da comida também... Faltava ainda conhecer algo mais. E por isso num pequeno alpendre que dá para o mesmo pátio ouvem-se os primeiros acordes de uma noite que é também noite de música ao vivo. Foi também por isso que vim, e confesso que foi a melhor banda que já ouvi por estas bandas. E das melhores vozes do mundo.
Mas a noite fugia teimosa e apressada pelo tempo que desejei outra vez que parasse por um tempo. Queria só estar e sentir a música dos meus tempos e de outros tempos me embalar na boa companhia das pessoas à minha volta e da magia e calma deste lugar que encontrei único. Queria também guardar comigo a presença e réstia de companhia de quem estimo e de quem amanhã vai embora e que, para eles sim, esta é a última noite antes da partida.
Foi, por isto tudo, uma noite memorável. Naquele Lugar magnífico.

1 comentário:

Anónimo disse...

Concordo consigo, caro Peter. O Naquele Lugar é sobretudo um lugar civilizado, onde se encontra um espirito de Africa agradável e descomplexado, para além de uma excelente cozinha. Tenho lá ido várias vezes desde que comecei a ir trabalhar para Angola e só tenho pena de ter conhecido este restaurante ao fim de uns meses. Confesso que estou farto de restaurantes de hotel ou do tipo Miami como os da Ilha. No Naquele Lugar, sinto-me quase que em casa e nunca fui desfraudado nas expectativas, antes pelo contrário. E, sabe que mais, quando la vou jantar, cada vez que para lá me dirijo, é como se rezasse para que esteja tudo como da ultima vez (as minhas preces têm sido atendidas).
Só quem lá vai é que percebe porque não há tabuletas, nem letreiros nem neons: porque a existência do Naquele Lugar, é como um segredo que é bem guardado e partilhado pelos clientes e também porque não é preciso anunciar o que é verdadeiramente bom.
Mais restaurantes houvesse deste género em Luanda e bem que mais agradável seria lá estar.

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