Domingo.
Saímos pela manhã com um destino final: a praia de Cabo Ledo. 150 Km a sul de Luanda.
Após 3 semanas saio de Luanda. É só por um dia... mas sabe bem!
Finalmente vi também (sem querer ver) um pouco mais de Luanda. Mais do mesmo e pior ainda. E fiquei com a clara vontade de sair para não mais voltar. Mesmo sem conhecer o destino. Ao longo do longo caminho surpreendem-nos condomínios de luxo e condomínios de lixo. Lado a lado mas distantes, num contraste irreal aos nossos olhos e à nossa compreensão. Luanda é assim. Toda ela. Uma cidade de extremos que se tocam mas nunca se cruzam.
Já fora do caos de Luanda, fizémos a primeira paragem: o Miradouro da Lua. Outro extremo, mas este felizmente criado pela mãe Natureza. Lado a lado o mar e o deserto. O mar azul e o deserto lunar de grandes crateras de rocha e areia, que justificam plenamente o nome dado a este local. E justificam a visita, claro.
Parámos segunda vez na barra do Kuanza. A foz do rio Kuanza - o principal rio de Angola. Não vimos muito, é certo. Apenas contemplámos o rio visto de um antigo restaurante. Antigo de abandono. Julgámos também ver um crocodilo. É o sítio deles aqui. Continuo a pensar que foi pura ilusão colectiva. Ou não... mas ficámo-nos por aí na aventura. A estrada de acesso à barra também poderia ter o mesmo nome do miradouro. Assentava-lhe bem, dadas as grandes crateras que nos fazem pensar duas vezes num eventual regresso. Mas voltarei concerteza. Ou talvez.
Seguimos viagem. Passámos depois a ponte sobre o rio Kuanza, que separa também as províncias de Luanda e do Bengo. Segue-se uma portagem. Não, não há auto-estradas. É apenas uma portagem. E paga-se para passar. Só isso. Paga-se para passar para o outro lado. Negócio bom, este.
Mais meia hora de viagem e mandam-nos encostar. Polícia manda. Pedem os documentos da viatura, a carta de condução, o passaporte e a declaração para conduzir a viatura. Observam curiosos, como se fosse tudo uma novidade (creio que era mesmo). Aqui tudo é ao contrário: se estiver tudo ok então 'há' problema. É uma chatice. Pedem depois a certidão de nascimento, a de casamento, o boletim de vacinas, cartão de estudante, boletim do euromilhoes... Pedem tudo até faltar algum. Depois param o questionário. Deixam de pedir papéis para pedir papel. Qual papel? O papel. Mas o que interessa é sorrir e seguir viagem. E assim foi. Com menos 20 dólares no bolso mas com um sorriso incrédulo pela felicidade estampada no rosto dos agentes da lei (?) e pelo feliz adeus da despedida. Mais uma história que fica. Para contar depois.
Depois de mais uns quilómetros lunares, chegámos ao paraíso.
Desculpem... a Cabo Ledo.
Não. Vou chamar-lhe paraíso.
O paraíso é a praia. É a areia branca e imensa e as palmeiras que a decoram. É o mar selvagem e a cor do céu misturadas num olhar que tudo alcança. É a sombra deserta de gente.
É o olhar de uma criança que surge do nada e que vem até nós. A medo. Mais crianças. Vindos do nada e filhos do nada. É o seu sorriso de esperança.
É talvez a lembrança que mais fica deste dia e desta praia que amei. Toda a praia e todo o dia. E a óptima companhia. E o resto do dia também.
Poderia escrever mil palavras mas faltaria sempre muito para dizer.
Voltarei de certeza, esperando que Deus queira compartilhar de novo comigo o seu paraíso. E que me dê depois a força que é preciso para voltar quando o dia terminar. Era bom que o tempo lá também parasse. Ou que ao menos corresse ao mesmo ritmo. Era justo.