Difícil não é sentir a falta de quem nos faz falta.
É pensar no tempo que falta, no tempo que não volta e sufoca, e nas voltas da vida que o tempo nos dá. Fica a esperança de que o tempo aqui me sorria e me traga a vida de volta.
E tem sorrido...


7.7.07

Dia 27 - O Regresso

Acordámos com os primeiros raios de um sol que espreitava tímido por entre o cacimbo destas manhãs de inverno 'rigoroso'. E acordei a sorrir. Acordo sempre cedo e bem disposto nestes dias... Porque será?

Rumámos de novo em direcção a Sul. O mesmo sul da semana passada, em direcção ao mesmo destino e ao longo da mesma estrada. Mas hoje tudo me pareceu mais perto. Diferente. Mais leve e agradável. As coisas belas ainda mais bonitas e as tristes bem mais indiferentes ao meu olhar. Parámos a sul junto à barra do rio Kuanza. Virando à direita para junto à margem direita do rio encontramos um sítio lindíssimo. Os "Mangais". Um espaço resort propositadamente escondido num verde fresco puro e denso de vegetação e misturado com o azul profundo da água do rio. Mesmo ali. Quase selva.


Um caminho cuidado de pedra leva-nos deslumbrados por entre a relva e pequenas palmeiras até ao alpendre da grande casa sobre o rio. Nele as mesas repousam compostas e convidam-nos a sentar e a contemplar a beleza calma daquele lugar único. Pensámos nele ficar um momento. Eu ficaria umas horas. Todo o fim de semana. Pensei mesmo nisso... mas não o fiz hoje. Outro dia conto-vos como foi, quando lá voltar em breve.

Seguimos caminho passando a mesma ponte para sul sobre o Kuanza. Depois dela vimos macacos passando a estrada, mesmo ali à nossa frente. Macacos! Lindo. Ainda aguardámos um pouco, com o carro desligado e em completo silêncio, mas infelizmente o seu receio foi bem mais forte que a nossa paciência. Paciência.
Aguardámos de novo um pouco mais á frente, quando a mesma polícia da semana passada e exactamente no mesmo sítio nos mandou parar e nos multou exactamente pela mesma razão. Sem triângulo. Normal. Mas deu para rir, na mesma.


E eis que chegamos à praia. A mesma praia, mas ainda mais bela e renovada pela ansiedade contida do nosso regresso. O mar calmo e mais frio desta vez. Ou menos quente. Mesmo assim, todo o esplendor da praia de areia e beleza intermináveis justificam o mergulho. Glorioso. Para os mesmos miúdos vindos do mesmo nada trouxemos tudo. O que pudémos trazer. Uma bola de futebol e mais o que conseguimos do hotel. Sandes, frutas e rebuçados. Cadernos, lápis e canetas. E foi uma troca bem mais que justa pelo seu sorriso. E também pelo nosso.

Depois de um fabuloso almoço com lagosta e amizade seguida de um pouco mais de vegetativa praia, iniciámos viagem de regresso a Luanda com um único objectivo plausível: ver o pôr do sol no miradouro da lua. Era esse o plano... Mas o sol foi e chegou mais rápido que nós... Seguiu rápido e brilhando orgulhoso ao nosso lado durante toda a viagem. Depois fartou-se e escondeu-se mesmo antes de chegarmos ao miradouro que não é dele mas sim da Lua. Certo. A beleza tem dessas coisas: horários de visita.

De novo a noite. De novo Luanda e de novo a noite na ilha de Luanda. E a noite acabou tão tarde quanto cedo começou o dia. E sempre bem. Jantámos no Miami ao som do samba e do kisomba e por lá ficámos a aproveitar os derradeiros momentos deste dia magnífico. Mais um dia que acaba e que nos fica para sempre.

6.7.07

Dia 26 - A Ansiedade

Foi uma sexta-feira de ansiedade. Não só pelo fim de semana que nos aguardava impaciente, mas também pela impaciência que me tomou todo o meu dia de trabalho. O trabalho à pressa, pela manhã, e uma reunião apressada pela tarde que se prolongou até depois do sol fugir. Mas ao mesmo tempo que iamos conquistando os minutos ao longo do dia, conquistámos também quem atentamente nos ouviu. Conquistámos ainda mais as pessoas. Demos um pouco de nós e o resultado foi muito positivo. Foi bom ver o sorriso com que agradecem a nossa presença e foi bom sentir a estima de quem nos recebeu. Com isso elas conquistaram-nos também. Gratificante. E assim parti para o fim de semana a sorrir.
Com a noite fomos novamente à ilha. Antecipando já o dia seguinte, o 'Éden' foi o local escolhido. Bem decorado, num ambiente românico amplo e decorado por descaídos tecidos num constraste de vermelho e branco vivo e por sofás e esfinges em branco mármore iluminadas por um céu estrelado. Todo ele. E todo o espaço era contraste de luz e sombra. E como sempre a praia ali ao nosso lado, desta vez inacessível ao sentir do nosso andar, mas mesmo assim agradável à vista com a sua areia iluminada pelo brilho das luzes do céu e das ondas de um mar que nunca tinha visto tão calmo.
Mas estava vazio, o éden. Ou quase. Nem Adão nem Eva, nem música celestial. A música, essa, ia morrendo aos poucos nas mãos de um DJ. Assassino profissional. Em série. Estávamos apenas nós e outros poucos, sentindo que a noite não se faria ali mas noutro sítio algures. Onde seria? Não ali. Mas também não procurámos onde... Não interessava... Sabíamos que o dia seguinte nos esperava ansioso, após umas curtas horas de sono. E fomos dormir, para um feliz e renovado acordar.

5.7.07

Dia 25 - A Vontade

Já acordei triste para este dia, após mais uma noite de curtas horas de sono e muitas voltas na cama. Um sono perturbado. Assaltava-me o pesadelo desta realidade das ruas... Retinha ainda no pensamento a imagem da noite passada. A imagem da pobreza vista nas ruas e revista ao jantar, em que a 'boa vida' à minha mesa contrastava com as crianças e adultos que, ali mesmo ao lado, nos abordavam em fila e pediam um pouco de comida
- Senhor, para eu jantar hoje, por favor.
Dezenas de pessoas. Ali estão, todos os dias, esperando as nossas migalhas. As minhas não dei. Se der um dia mais dias e mais pessoas virão. Custa-me, mas aqui aprendemos forçosamente a ser frios. A ser diferentes e distantes, e tenho tido também nisso uma (des)agradável surpresa do meu próprio ser. Tornei-me indiferente. E dormi a pensar nisso.
Hoje senti também a falta de quem me falta. Hoje mais que nunca nestes dias queria estar ao seu lado. Sentir-me perto, nem que fosse só para partilhar o calor de um abraço. Durante o dia não tive internet. Nem no trabalho, nem no hotel. Não tinha acesso a mail nem telefone para o exterior. Coisas tão simples... que tal como a luz sempre me habituei a ter sempre. Mas não aqui. Estava por isso isolado e incontactável. Mas mais que isso sentia-me preso e amordaçado por tentar 'estar' com o meu mundo e com as pessoas que são o meu mundo e não conseguir. Nem trabalhar.
A noite chegou tarde, neste dia que se arrastou num completo isolamento. Mas melhorou. Fomos jantar ao Bahia, um restaurante lindíssimo sobre a baía de Luanda. É mais um sítio para recordar e revisitar aqui. Um ambiente calmo, muito romântico até, com uma varanda de apetitosos sofás iluminada a meia luz por velas nas mesas escuras e inundada por uma música calma e familiar. Toda a baía no nosso olhar, toda nossa. E senti-me melhor.
Tomámos um último gin no Chill Out... Acho que estávamos com saudades (não do Gin). Com sorte a música do Bahia perseguiu-nos até lá, e com ela estivémos um pouco - com os Eagles, U2 e UB40. A matar saudades mesmo! Mas a viagem para lá foi mais uma aventura. A polícia, tal como a música, também nos perseguiu. Mandou-nos parar. Mas ao volante do nosso Cherokee (como é que se escreve mesmo...?) e com um pára-arranca fenomenal a M. trocou-lhes os olhos e fugimos depois a abrir. Normalíssimo.
Sim, a noite foi um contraste do dia. Acalmou-me, fez-me sorrir um pouco e mandou embora a tristeza e a saudade. E por momentos, senti-me perto. Mas hoje não consegui passar um minuto sem a tua presença. Tornou-se inevitável. Para mim este meu dia foi teu e tu foste todo o meu dia. Infelizmente, todo ele foi a tua ausência.
Hoje imaginei ter-te comigo aqui. Fica a vontade.

4.7.07

Dia 24 - A Gasolina

Aqui o litro é a 40 Kz. Quarenta cêntimos. Dava um jeitão se pudesse levar uns garrafões comigo para Lisboa. Hum... mas não deve dar.
Abastecer o carro aqui é uma aventura sem igual. Desesperante. Filas de horas com filas de vendedores (como em todo o lado) que nos tentam vender de tudo. E enquanto estamos na fila para abastecer podemos abastecer também a nossa casa. Mas chateia. Muito.
Embora os postos de abastecimento tenham serviço de cada um dos lados das bombas de combustível, aqui o curioso é que os senhores que nos abastecem o carro (sim, o self service ainda é um mito aqui...) só o fazem se o depósito estiver do lado certo. Muito bem. Então como a maioria dos carros têm depósito do lado esquerdo, vêm-se filas de carros até á estrada e pela estrada fora para abastecer num único lado, o direito. E o outro lado sem ninguém! Não me lixem. Não há direito. E de vez em muito lá vem um sortudo sorridente com um carro das arábias com depósito dextro e ri-se pra nós enquanto passa e abastece. Chamo-lhe nomes, entre os dentes.
Aqui a Sonangol rules. A maior parte dos postos de combustível são deles. Mas são sempre poucos, e num país com tanto petróleo as coisas deviam ser bem diferentes. Os miúdos e graúdos fazem negócio, claro. Aqui tudo é negócio. Vão comprar gasolina, com os seus garrafões e tentam vender depois a quem passa e pára. Ou a quem perde a paciência nas filas para abastecer e não se importa de pagar um pouco mais. Uma margem para o vendedor inteligente. O pior de tudo é que, por esta causa ou não, muitas vezes as estações de serviço estão fechadas por não terem combustível (?). Pois... anda à venda nas ruas.
Abastecer é mais uma pequena aventura nesta grande aventura que estou a viver em Luanda, onde infelizmente não há transportes públicos (quer dizer, até há...) e o carro é a única forma de nos deslocarmos de um lado para outro. E temos mesmo de o fazer, senão damos em loucos. Ainda mais.

3.7.07

Dia 23 - A Luz

Aqui a luz está sempre a faltar. De dia e de noite. Aqui no hotel e ali na empresa. E na rua também. Em todo o lado a luz falta e escassa. A electricidade é também aqui um bem essencial como tantos outros. É mais um bem que muitas vezes falta e muita gente nem tem. Aqui só as casas que não são casas e aqueles que não têm casa é que não têm gerador. Concerteza.
Sou um homem de sorte. Com a sorte de nunca ter ficado preso no elevador, por exemplo. Medo. Horror, pelo pânico e pelo odor na eternidade entre o segundo em que a luz falta e o primeiro arrancar do gerador. Mas espero que a sorte continue comigo, como até aqui. E a luz também.
A luz é como a água. É essencial como a família, os amigos e a nossa casa. É como tudo o que nos habituámos sempre a ter, e só quando nos faltam é que pensamos na falta que deles sentimos. Tanta falta.
Hoje faltou mais de mil vezes. É algo que não estava habituado a ver. Nem a não ter.

2.7.07

Dia 22 - O Girabola

O Girabola é o campeonato angolano de futebol.
Enquanto em Portugal se vive agora a divertida pré-época futebolística (Derlei vai para o Sporting), aqui o Girabola está ao rubro. Este fim de semana jogou-se a 15ª de um total de 26 jornadas. E a classificação actual é a que segue:

1º de Agosto - 35 pontos

Inter de Luanda - 32 pontos

ASA - 29 pontos

Petro de Luanda - 27 pontos

Por outras palavras. Os militares vão na frente, perseguidos pelos polícias e com os aviões em terceiro - o ASA - Atlético Sport Aviação, com o nosso mister Manuel Fernandes é o meu preferido.

Logo depois na preferência vem o meu primo Carlos Mozer, com o seu 'policial' do Inter de Luanda. O Petro de Luanda do petróleo e do Bernardino Pedroto era o favorito para esta época. Era.

Este fim de semana tive a feliz oportunidade de ver um jogo na TPA (Televisão Pública de Angola). É recuar no tempo uns 30 anos. Ou mais. Uma experiência única de televisão onde só falta o preto e branco. E branco.
A propósito (ou não) o Gabriel Alves está aqui no hotel. Ao pequeno almoço tento ficar sempre perto dele só pelo prazer de o ouvir pedir um café.
Apenas como curiosidade anotei uns nomes de jogadores de renome aqui do Girabola, que só pelo seu nome fariam sucesso em qualquer campeonato: o Tonelada, o Rasca, o Sting e o Maninho Loyd. Mais o Totó, o Bébé, o Banda, o Pompom e o Lambisto.
Aguardo assim ansioso por ouvir um relato radiofónico. Com o Gabriel Alves, já agora. Se não for pedir muito.

1.7.07

Dia 21 - Além de Luanda

Domingo.
Saímos pela manhã com um destino final: a praia de Cabo Ledo. 150 Km a sul de Luanda.
Após 3 semanas saio de Luanda. É só por um dia... mas sabe bem!
Finalmente vi também (sem querer ver) um pouco mais de Luanda. Mais do mesmo e pior ainda. E fiquei com a clara vontade de sair para não mais voltar. Mesmo sem conhecer o destino. Ao longo do longo caminho surpreendem-nos condomínios de luxo e condomínios de lixo. Lado a lado mas distantes, num contraste irreal aos nossos olhos e à nossa compreensão. Luanda é assim. Toda ela. Uma cidade de extremos que se tocam mas nunca se cruzam.

Já fora do caos de Luanda, fizémos a primeira paragem: o Miradouro da Lua. Outro extremo, mas este felizmente criado pela mãe Natureza. Lado a lado o mar e o deserto. O mar azul e o deserto lunar de grandes crateras de rocha e areia, que justificam plenamente o nome dado a este local. E justificam a visita, claro.

Parámos segunda vez na barra do Kuanza. A foz do rio Kuanza - o principal rio de Angola. Não vimos muito, é certo. Apenas contemplámos o rio visto de um antigo restaurante. Antigo de abandono. Julgámos também ver um crocodilo. É o sítio deles aqui. Continuo a pensar que foi pura ilusão colectiva. Ou não... mas ficámo-nos por aí na aventura. A estrada de acesso à barra também poderia ter o mesmo nome do miradouro. Assentava-lhe bem, dadas as grandes crateras que nos fazem pensar duas vezes num eventual regresso. Mas voltarei concerteza. Ou talvez.

Seguimos viagem. Passámos depois a ponte sobre o rio Kuanza, que separa também as províncias de Luanda e do Bengo. Segue-se uma portagem. Não, não há auto-estradas. É apenas uma portagem. E paga-se para passar. Só isso. Paga-se para passar para o outro lado. Negócio bom, este.

Mais meia hora de viagem e mandam-nos encostar. Polícia manda. Pedem os documentos da viatura, a carta de condução, o passaporte e a declaração para conduzir a viatura. Observam curiosos, como se fosse tudo uma novidade (creio que era mesmo). Aqui tudo é ao contrário: se estiver tudo ok então 'há' problema. É uma chatice. Pedem depois a certidão de nascimento, a de casamento, o boletim de vacinas, cartão de estudante, boletim do euromilhoes... Pedem tudo até faltar algum. Depois param o questionário. Deixam de pedir papéis para pedir papel. Qual papel? O papel. Mas o que interessa é sorrir e seguir viagem. E assim foi. Com menos 20 dólares no bolso mas com um sorriso incrédulo pela felicidade estampada no rosto dos agentes da lei (?) e pelo feliz adeus da despedida. Mais uma história que fica. Para contar depois.


Depois de mais uns quilómetros lunares, chegámos ao paraíso.
Desculpem... a Cabo Ledo.
Não. Vou chamar-lhe paraíso.
O paraíso é a praia. É a areia branca e imensa e as palmeiras que a decoram. É o mar selvagem e a cor do céu misturadas num olhar que tudo alcança. É a sombra deserta de gente.
É o olhar de uma criança que surge do nada e que vem até nós. A medo. Mais crianças. Vindos do nada e filhos do nada. É o seu sorriso de esperança.
É talvez a lembrança que mais fica deste dia e desta praia que amei. Toda a praia e todo o dia. E a óptima companhia. E o resto do dia também.

Poderia escrever mil palavras mas faltaria sempre muito para dizer.
Voltarei de certeza, esperando que Deus queira compartilhar de novo comigo o seu paraíso. E que me dê depois a força que é preciso para voltar quando o dia terminar. Era bom que o tempo lá também parasse. Ou que ao menos corresse ao mesmo ritmo. Era justo.

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