Difícil não é sentir a falta de quem nos faz falta.
É pensar no tempo que falta, no tempo que não volta e sufoca, e nas voltas da vida que o tempo nos dá. Fica a esperança de que o tempo aqui me sorria e me traga a vida de volta.
E tem sorrido...


4.8.07

Dia 55 - De Veneza a Miami

Porque hoje é sábado. Depois de um passeio descalço pela praia num paraíso com pouco sol e água fria acabo por ir jantar a Veneza. Veneza é o nome do talvez mais português e tradicional restaurante de Luanda. A uns quarteirões apenas da igreja da Sagrada Família, na zona do Maculusso, foi a informação que bastou para o encontrar. Isso e uma hora inteirinha às voltas por ali, entre ruas que parecem sempre iguais e com sentidos sempre diferentes. Mas chegámos lá mesmo à hora certa da fome.
Foi bom para matar as saudades e sentirmo-nos em casa. Melhor escrevendo, em Portugal. Além da boa comida da nossa terra em doses xl de um bom bacalhau ou cozido à portuguesa, ou mesmo uma alheira de Mirandela, todo o espaço é puramente 'nosso'. E está-se lusitanamente na boa. Contudo, estranhamente comi picanha à brasileira. Também me agradei ao ver os dois grandes plasmas em cada lado da enorme sala, sempre a transmitir os jogos do nosso campeonato - como não é hoje o caso - e por isso cá voltarei concerteza para ver 'em casa' os jogos do meu SLB acompanhados com um bom jantar e óptima companhia.

Depois de demoradas feitas e pagas as contas de Veneza fomos até Miami. E o Miami é mais um daqueles óptimos sítios da ilha (sou suspeito: o Chill Out está fechado). Com muita gente gira, um espectáculo de bailarinos e ritmo latino e africano e, claro está, muitos portugueses, o Miami é o Verão ao ar livre destas noites de Inverno. Bem quente.

Hoje foi o dia menos um da minha contagem decrescente e da saudade crescente. Depois de uma semana de tempestade interior, hoje acabei por passar um sábado radioso com planos e destinos felizes previstos à pressa neste dia imprevisto. E tudo acabou bem e a sorrir. Foi assim um dia que felizmente inventei.

3.8.07

Dia 54 - A Despedida

Hoje foi dia de dizer adeus. De inventar pela manhã um inesperado adeus a quem parte e não a quem fica como assim antes eu esperava que fosse.
Esta vivência em Luanda cria laços de grande amizade entre quem passa tantos e tão bons (e menos bons) momentos juntos. Tudo é mais intenso no viver e no sentir e bem mais difícil na despedida. Por isso hoje sou o outro lado que não quero ser e sinto-me mesmo do avesso. Ao contrário e triste.
Mas estou feliz pela alegria de quem parte e mostro-o com um sincero e mudo sorriso. Sobretudo porque também sei que hoje não é um adeus mas sim um até breve. Onde quer que seja.

Sabem... sinto-me mesmo perdido sem vocês.
Um abraço, J. e L.

2.8.07

Dia 53 - Naquele Lugar

Na velha e despida calçada que sobe até à fortaleza encontrei o restaurante mais agradável de Luanda. Naquele Lugar. Nele entra-se a medo, com a estranha sensação de estarmos a invadir qualquer casa alheia. De facto, vista de fora esta é uma casa antiga e igual a tantas outras. Portuguesa. Cá fora nem letreiro nem um só nome nem ninguém a indicar, apenas uma luz ténue nos espreita e nos convida por entre a porta entreaberta. Subimos o pial e entramos, como quem julga conhecer já o desconhecido.
Uma primeira e pequena sala nos recebe, com pinturas a óleo e estatuetas decorando as paredes rústicas e apagadas pelo tempo. Só a sala decorada nos recebe a sós e por momentos temos a certeza de que estamos enganados. Mas ao fundo da sala e em frente à porta por onde entrámos outra porta nos chama de curiosidade e através dela vemos mais luz, ouvem-se algumas vozes ao fundo, e espreitam umas escadas de pedra que nos convidam a descer.
Uma descida até ao deslumbramento. Um pátio com chão de pedra fresca e rodeado por um branco de cal das paredes gastas e altas e descobertas num brilhante céu de estrelas. Vários pátios aliás, ligados e escondidos uns dos outros por entre abertas portas e postigos. As simples mesas e cadeiras de esplanada espalhadas e ordenadas no espaço separam o poço de desejos ao fundo de uma árvore pelo meio e do verde vivo de outras plantas em vasos que vestem tudo o resto que não descrevo.
Já tinha marcado previamente este jantar, há um tempo atrás, julgando outrora que esta seria a minha última noite em Luanda antes de voltar de férias a Portugal. Já conhecia também este sítio magnífico e a amabilidade do gerente (o Nanni) que sabe muito bem como se faz uma casa - sem letreiros à porta. Já conhecia a divindade da comida também... Faltava ainda conhecer algo mais. E por isso num pequeno alpendre que dá para o mesmo pátio ouvem-se os primeiros acordes de uma noite que é também noite de música ao vivo. Foi também por isso que vim, e confesso que foi a melhor banda que já ouvi por estas bandas. E das melhores vozes do mundo.
Mas a noite fugia teimosa e apressada pelo tempo que desejei outra vez que parasse por um tempo. Queria só estar e sentir a música dos meus tempos e de outros tempos me embalar na boa companhia das pessoas à minha volta e da magia e calma deste lugar que encontrei único. Queria também guardar comigo a presença e réstia de companhia de quem estimo e de quem amanhã vai embora e que, para eles sim, esta é a última noite antes da partida.
Foi, por isto tudo, uma noite memorável. Naquele Lugar magnífico.

1.8.07

Dia 52 - O Dia Mau

Acordo com uma terrível dor de dentes, daquelas insuportáveis que nos faz apetecer dar murros a nós mesmos. E eu quase que dei.

Tive ainda assim uma suportável apresentação toda a manhã e o trabalho que aperta nesta fase final antes de partir para férias. A dor de dentes terá de ficar para depois, pensei. Mas não - chegou pra ficar.

Mas hoje soube que afinal já não faltam só dois dias para o meu regresso a Portugal, mas ainda mais uns seis. Nem sei bem... Até podiam ser mais mil que para mim já não importava. Mantinha apenas no pensamento um amargo adiar de ansiedade e das saudades e esta triste realidade que se apoderou de mim até ao fim destes dias: eis-me sozinho, de malas feitas e coração desfeito.

Mas já que falo em coração hoje também fiquei preso no elevador. Foram duas horas de terror! Quer dizer... disseram-me depois que foram dois minutos apenas. Mas eu juro que me pareceram duas horas. Ou mais! E algum dia tinha de ser, certo? E porque não hoje? Foi uma boa escolha dos deuses, juntar tudo num só dia.

Este dia está a ser o máximo - penso. Que mais me irá acontecer? Já estava por tudo e triste como a noite que não mais chegava. Ao menos que tudo me acontecesse hoje! Saio então desprevenido pela rua procurando mais infortúnios. E respirar um pouco também.

Mas infelizmente nada mais me aconteceu e tudo passou pouco depois. Passou a tristeza por ficar mais uns dias e passou a lembrança das horas tristes deste dia. Sorrio no seu fim, com um contentamento descontente, ao ver que este dia acabou. Sinto-me melhor e penso que já tudo passou. Tudo, menos a dor de dentes.
E faltam 6 dias.

31.7.07

Dia 51 - A Internet

Ainda é um mito por aqui. Até há, mas não há. A verdade é que é esta a infeliz conclusão a que chego aqui, e a não menos infeliz e contundente resposta que obtenho no hotel. Desco do meu quarto até à recepção tentando encontrar respostas para não ter internet no quarto há já alguns dias. É que prefiro ter, mesmo quase não tendo, do que não ter. Ao menos vejo o mundo a girar no canto do meu monitor e mantenho assim uma calorosa esperança e ansiedade de entrar em alguma página. Neste meu blog, por exemplo.
Na recepção dizem-me que realmente não tenho internet no quarto - Que génios, hã?
- Mas não há internet? - Pergunto eu.
- Ainda, senhor. Só ali no bar.
- Pois, eu sei. Mas eu já tive internet no quarto, há uns dias atrás.
- Não pode senhor. Não há internet nos quartos.
- Mas eu mesmo agora confirmei e os meus colegas no 5º andar têm internet no quarto deles.
- Não pode senhor. Não têm.
- Têm sim, juro! Vim agora de lá!
- Não pode senhor...
- Mas pode por favor confirmar ou esclarecer com mais alguém?
Entra por uma porta e sai dois segundos depois:
- Não têm não, senhor. Não há internet nos quartos. Só no bar.
Suspiro.
Queria com isto justificar um pouco o muito atraso neste meu diário. Juro que tenho tudo apontado e bem vincado em papel ou em pensamento. Prometo assim não deixar nada para trás e nem me esquecer de nada, destes meus dias, nos meus dias em Portugal.

30.7.07

Dia 50 - O Acontecimento

É o acontecimento do ano em Angola e por isso todo o país se prepara para receber o AfroBasket 2007. É o 24º campeonato africano de basquetebol masculino, que tem Angola como anfitriã e também como actual detentora do título. No basket eles são grandes! E literalmente também.

O campeonato irá decorrer entre os dias 15 e 25 de Agosto em quatro cidades de Angola. Benguela, Lubango, Huambo e Cabinda vestem os seus trajes de gala e mostram Angola ao mundo. No entanto, é o estádio da cidadela em Luanda que servirá de palco e receberá a cerimónia de abertura e o jogo inaugural do campeonato: Angola vs. Ruanda.

Aqui pelo hotel andam os Harlem Globetrotters... Devem cá estar para a cerimónia de abertura, ou para uma outra demonstração qualquer. Eu é que já dei um jeito qualquer ao pescoço só de olhar para eles. De muito baixo para muito cima. Enormes!
Mas vejam estas imagens de Luanda. Convencia qualquer turista, não acham?

29.7.07

Dia 49 - Um Resumo

Acordo indisposto para mais um domingo e penso feliz que este domingo será o último dos primeiros domingos.
Recordo-me ainda da noite anterior. Do jantar magnífico naquele lugar junto à Fortaleza. Recordo a última e agitada noite do Chill Out, que foi também a sua última noite antes das férias. E recordo-me que, de tudo o resto, mais nada me consigo recordar. Mas fica a vincada lembrança de que este último sábado foi mesmo um grande dia. E uma grande noite.
E neste domingo vou até à ilha do Mussulo. Tinha de lá ir. E ao chegar ao embarcadouro dezenas de miúdos correm e se atropelam atrás do carro e disputam entre si para ver quem fica a guardar o nosso carro e quem e em qual barco é que nos leva até a ilha. Lá fomos com o Zézito, até ao sítio na ilha que ele próprio e bem nos recomendou. A Roça das Mangueiras. Recomendo eu também uma visita. É um fascínio.
Neste domingo faço também eu um balanço destes 49 dias e 48 noites. Um resumo do mesmo. Luanda tem o bom e o mau, como em qualquer outra parte do mundo, mas ambos elevados a um extremo tendencial. Caminham até um extremo oposto, andando no entanto lado a lado. E isto porque não há bom sem haver mau, como não existe o bem se não existir o mal. E estas duas realidades encontram-se facilmente nestas ruas... Em todos os recantos destas ruas a pobreza e a riqueza andam de mãos dadas, precisando uma da outra. Ajudam-se a crescer mutuamente e a afastar-se ainda mais na distância e num contraste mais que imperfeito, mas que parece resultar em perfeição aos olhos do povo... que não vê.
Compreendo agora que tenho vivido o bom e evitado o mau. Passa-me ao lado. Em quase dois meses de vivência em Luanda assim declaro a minha ignorância sobre como se vive em Luanda. Não posso sabê-lo. Talvez saiba apenas como se vive bem em Luanda, e aí faço de mim um exemplo de conhecimento. Mas tudo o resto que é quase tudo nada sei ainda. Só sei o pouco que vejo e penso que embora queira saber mais temo, pois para o saber teria que vivê-lo, e eu prefiro vê-lo. Apenas vê-lo na distância.
Mas agora não... depois. Agora quero mesmo é ir para casa e conto já as horas dos poucos dias que faltam. Está quase.

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