Difícil não é sentir a falta de quem nos faz falta.
É pensar no tempo que falta, no tempo que não volta e sufoca, e nas voltas da vida que o tempo nos dá. Fica a esperança de que o tempo aqui me sorria e me traga a vida de volta.
E tem sorrido...


21.7.07

Dia 41 - O Kilamba

Sábado de sol, mas não de praia. De sol e de vento.
Mesmo assim almoço na ilha, no Coconuts, junto à praia que não vou.
A tarde no entanto passa a correr pela meta da noite que chega cedo. E hoje chegou ainda mais cedo do que tem sido.
Foi uma noite sem igual. De igual aliás só teve o início. No Chill Out - bons hábitos que se ganham e nunca mais se perdem. Mas ao fim da noite fomos descobrir Luanda. Mais que isso, fomos conhecer a noite autêntica: a noite do povo em Luanda.
Kilamba é o nome. Uma discoteca africana, tão africana que éramos os únicos que naturalmente destoávamos. Os únicos que não éramos.
A princípio tive receio, confesso. Encontrámo-la perdida quase perdidos no meio de um musseque que nunca me atreveria a entrar sozinho. Não mesmo. Mas a confiança reinava, nem sabendo como... Talvez pelo espírito de aventura e pela sede de cultura. Muita sede de conhecimento, e de alguma bebida também.
Mas entrámos. Não consigo explicar e sei que há coisas que nem com mil palavras poderei descrever aqui, e esta noite foi uma delas. 'Surpreendente' é apenas uma dessas mil.
Fomos recebidos à entrada com mil olhares e mil expressões de estranheza. E mais que surpresa para nós, senti que nós fomos uma surpresa para eles. Recebem-nos com imensa simpatia e sorrisos, e muitos nos cumprimentam. Senti-me alguém importante e por momentos até julguei que, naquela sala fechada e completamente cheia, já todos aguardavam solenemente a nossa chegada.
O Bruno (da Tendinha) não nos esperava mas viu-nos assim que entrámos e destinou-nos logo a melhor mesa da sala. De facto era... era a sua mesa. E o Bruno também é o maior.
A música. Mais ainda que o ritmo africano, eles e elas nos puxavam (literalmente) para o meio da pista e para o seu meio. Dança comigo sim? - Assim foi. E até eu dancei kizomba... ou algo parecido, mas dancei e diverti-me à grande como um pequeno.
Foi mais uma noite inesquecível, como já muitas outras aqui. Mas começo a sentir-me confuso... Afinal Luanda é ou não é um espectáculo? É.
Realmente... hoje foi.

20.7.07

Dia 40 - O Poeta

Quarenta dias. Quarenta dias e quarenta noites.
Quarenta minhas histórias de já mil histórias passadas em Luanda.
Apesar deste registo que quase me passou despercebido, o meu dia ficou marcado por algo que nada tem a ver com Luanda, mas que tudo tem a ver comigo.
Espreitando os Dias Úteis aqui mesmo ao lado, eis que vejo isto:
Revivi então a minha vida nestes minutos de contemplação. Aqui tão longe dela acabo por senti-la muito mais intensamente, como se estes momentos do presente fossem dela um resumo, uma pausa para respirar.
Encostem-se a mim.

19.7.07

Dia 39 - A Gasosa

A gasosa aqui é a moeda de troca nas ruas. De troca por nada. Mas todos a querem e tudo se obriga a trocar por uma gasosa. Mas atenção… não confundir.
Gasosa? Ah, gasosa é fácil! Gasosa aqui é gorjeta. Claro. E todos a pedem. Por tudo e por nada. Os arrumadores, os putos e os seguranças da rua. Nos restaurantes, nos hotéis e até nos hospitais. E a polícia, cá está. Essa pede descaradamente.
Bem… a verdade é que nem todos pedem. A polícia sim. Mas é normal dar-se quase sempre qualquer coisa a qualquer gente por quase nada. Uns cem ou duzentos Kwanzas satisfazem o arrumador ou segurança de rua que nos guarda o carro por uns momentos. E até que é merecido. Mas atenção que dá-se a nota sempre no fim, quando voltamos ao carro e ele ainda lá está. O carro.
O mesmo valor de 100 Kz satisfaz igualmente a criança que nos aborda na rua ou quem nos serve à mesa no restaurante. Para quem quiser dar, claro. Mas é normal que se dê.
Quanto à polícia que nos manda parar…bem, aí o valor a dar depende sempre da razão. E do número de polícias que ali estão. E da boa disposição também. A deles e a nossa. Se tivermos os documentos todos, os ‘normais’ documentos pessoais e do carro, não há problema e passa-se com uns 20 dólares, cujo motivo da coima pode ser até pela cor do nosso carro. Mas normalmente é pela cor da nossa pele. Se nos falta um documento importante, isso pode ir até aos 100 dólares, dependendo também dos factores que acima mencionei. E é preciso saber negociar, claro. Normalmente a conversa começa com: - Senhor agente, e como é que podemos resolver isto?
Fácil. Uma gratificação que sai das nossas mãos e logo se cola e se reparte nas deles.
Afinal tudo aqui funciona e se move com gratificações. É apenas isso que temos de entender que é de facto visto como algo normal. E temos de nos render às evidências: o país inteiro foi assim construído, e é só assim que nele se vive e resiste.

18.7.07

Dia 38 - Os Dizeres

Aqui fala-se em bom português. Bué bem, por acaso.
'Iá' é típico desde o povo na rua aos donos do povo da rua. Em desconversas de café ou em reuniões de Administração o 'iá' é usual e substitui o sim.
Também há o 'desconseguimento', que se usa quando algo não corre bem.
- Cheguei atrasado Chefe, tive um desconseguimento. Então com a pronúncia daqui... Espectáculo!
Ao dizeres 'bom dia' recebes com simpatia um 'sim sim', ou um 'bom dia, sim'. Sempre o sim, depois de um obrigado ou de qualquer outro cumprimento. Neste caso não há 'iá'.
Mas ainda há o 'ainda'. E 'ainda' é ainda não. Realmente, para quê complicar? Eles é que sabem.
Já fez o que lhe pedi?
- Ainda.
Muito bom.


17.7.07

Dia 37 - A Vista

Nascente...

E Poente.


É esta a vista do meu local de trabalho.
Desta minha janela vejo duas cidades em contraste, nesta Luanda que é única.
Desta mesma janela eu respiro e me inspiro.
Ganho ânimo.

16.7.07

Dia 36 - A Continuação

2ª feira. Continuamente o dia se arrasta em desespero. Como outros dias e alguns outros. O trabalho chama pelo tempo que escassa mas ao mesmo tempo se demora num irresponsável apelo pela noite que não chega. E nem tenho nada combinado. Apenas prefiro a noite para ter também algum espaço para mim. Só o meu espaço, vazio e só.
Dá para notar que hoje estou quase irritado, com a rotina e o continuar de coisas que não mudam nem se decidem. Aborrecem-me os imprevistos depois de outros não previstos, e que passam por mim em insuportável sequência. E consequentes.
No entanto encontro sempre forma de terminar o dia bem disposto. Penso que pior do que me sentir assim é contagiar as pessoas à minha volta, e isso dá-me motivos para sorrir e receber com isso os sorrisos reflectidos. Como um espelho me renovo a cada noite que passa, bebendo um pouco do sorriso dos outros e encontrando neles alento para um novo dia. A continuação.

15.7.07

Dia 35 - O Caribe

O sol convidava bem alto e eu não tive coragem para recusar. Convinha-me também sair um pouco desta incómoda prisão e respirar bem fundo todo o ar e o mar que pudesse. Por isso aceitei o seu convite e peguei na toalha. Até ao Caribe.
O Caribe é a praia. É bar, restaurante e praia na ilha. É um bocadinho de praia com cadeiras de praia e chapéus de sol. Uma pequena praia, mas em grande estilo. Claro que estava cheio. Mas lá consegui com surpreendente facilidade (e 600 Kz) uma cadeira e o meu lugar ao sol.
Pego no meu livro de praia (porque tem sido só na praia que o vou lendo aos poucos) e descanso em paz depois de um refrescante e corajoso mergulho. Enganaram-me. A água afinal não é assim tão quente como disseram. Pff... é quase tão fria como no Algarve. Não há condições.
Cedo adormeço. Confesso que até estou a gostar muito do livro, mas acabo sempre por adormecer na praia. Acho que é pela paz que se sente, o sossego e a segurança que não sinto no centro da cidade e que aqui na praia me acalma e relaxa ao ponto de adormecer com relativa facilidade.
Acordo depois pela fome e sem me levantar peço o meu pack 'cuca e sandes' e leio mais um pouco. Vou já quase no fim do livro! E teria terminado se o empregado tivesse demorado um pouco mais que aquela mísera hora bem contada para me trazer o que pedi. Aqui tudo tem o seu tempo, em todo o lado. Tudo demora.
E a praia não foge a isso e também tem o seu tempo. Às quatro da tarde começa já o sol a querer fugir para outras paragens e chega o frio. Um pouco só, mas chega. Chega também a hora de voltar ao hotel e de começar a pensar no dia que chega depois a passos bem largos.
Fico no hotel o resto do dia e da noite. O domingo sempre foi para mim um dia estranho. Desde miudo. É curioso que mesmo aqui este dia é sempre um dia de início e de fim. Faço o balanço dos dias e dos sentidos que passam e do fim de semana e da semana que se aproxima, num misto de estranhas sensações que nem sei se boas se más. Nem sei se quero que chegue rápido um novo dia ou se me quero demorar nesta espera.
No pensamento o cronómetro volta ao zero, confiante. Faltam apenas 20 dias e algumas horas.

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