Difícil não é sentir a falta de quem nos faz falta.
É pensar no tempo que falta, no tempo que não volta e sufoca, e nas voltas da vida que o tempo nos dá. Fica a esperança de que o tempo aqui me sorria e me traga a vida de volta.
E tem sorrido...


16.6.07

Dia 6 - O Hotel

E ao 6º dia descansei finalmente o corpo e a mente.
Acordei mal disposto, graças ao comprimido que tomei ontem (e será assim todas as sextas feiras) contra (?) o paludismo. De facto pensei que tinha perdido as lentes de contacto durante o dia... Só me lembrei depois que a visão turva era um dos efeitos do quinino (leia-se comprimido).
A dor de cabeça e de estomago também, pelos vistos...
Para além da sanita, conheci também um pouco mais o hotel, pois acabei por quase nem sair deste mundo luxuoso. Dormi a manhã toda, e saí para almoçar, do outro lado da rua. Ainda não tinha visto Luanda assim, tão calma. Dorme de noite, mas também durante todo o fim de semana. Mais que em Lisboa, muita gente deixa a cidade e vai passar os dois dias fora, em busca de praia ou de campo. Bem vistas as coisas, tudo isso está aqui muito muito perto.

Esta Luanda fez com que, através da minha janela ou no passeio até ao restaurante, a tenha visto com outros olhos. Alguma beleza, até. Imaginei a Luanda colonial, tentei olhar para a rua sem as novas construções e sem o lixo, os esgotos e a pobreza dos dias de hoje. Esta calma da cidade hoje transmitiu-me muita calma também.

Passo o resto da tarde no bar do hotel, com o meu pc no colo. Acabo por não sair para jantar, apesar da calma das ruas me apelar a isso, mas continuo a achar arriscado. Janto no hotel, onde se fala, se vê, se come, e se sente português. Dá gosto estarmos a 7.000 Kms de casa e beber uma sagres ou (e) uma bock. Acho que aqui até me sabe melhor! Quanto à comida, tenho optado sobretudo por peixe grelhado, e evitado as saladas (que para mim também não é assim nenhum esforço do outro mundo). Mas come-se bem, e bebe-se bem. Como em Portugal. Tá-se bem, iá.

15.6.07

Dia 5 - A Sexta

Final de uma semana que passou rápido, apesar do tanto que passou, e do tanto que passei.
Angola tem o bom e o mau. Lado a lado, como vizinhos. É um fascínio, logo depois de uma desilusão.
Penso já no fim de semana. Prometo a mim mesmo descansar. Toda esta mudança na minha vida, toda esta semana, deixou-me exausto.
Os horários aqui são diferentes, bem diferentes do que estava aí habituado. As noites são enormes! Nesta altura do ano, ás 18 horas já a noite chegou. Toda a gente saiu já dos seus empregos e estão em casa. Sobretudo em casa. Luanda descansa, e se prepara para outro dia infernal, que começa sempre bem cedo. 7 da manhã e já toda a cidade se move. O caos do trânsito prolonga-se até ás 10 da manhã, por todas as ruas da capital. E é assim todo o dia, embora se intensifique por volta das 17 horas, quando todos os carros fazem o percurso inverso ao que fizeram de madrugada. Mas vou-me habituando... E vou gostando mais a cada dia que passa. Estou também alheio a essa realidade: o trânsito para mim é algo que vejo passar, mas que não passo por ele.
A distância de casa, e dos meus, deixa-me triste. Tento a custo manter o pensamento ausente, ocupado com o meu dia a dia aqui. Viver o dia e um momento de cada vez. Afinal tenho tempo nos meus dias, e muitos dias do meu tempo, para cá estar e viver tudo intensamente.
Terei eu, um dia, saudades de Luanda?

14.6.07

Dia 4 - A Rotina

O dia amanheceu cinzento, tal como o meu humor. Uma certa sensação de mau estar aqui. De já ter visto tudo, e sem ter visto quase nada.

Tornou-se um dia igual ao de ontem, igual ao de antes de ontem... igual a muitos que ainda não passei, mas que hoje me deprimiu só por pensar que poderão ser todos assim.

Passei-o a custo, sem vontade de trabalhar (sem meios também, diga-se...) e a verdade é que também não tenho tido muito que fazer.

Conheci sim pessoas novas. Uma simpatia, como tem sido desde que cheguei. Portugueses e angolanos. Ajudam-me a passar os tempos mortos e a verdade é que não me tenho sentido só, como era esse o meu maior medo.

Contudo, chega o fim do dia e sinto-me um pouco farto e cansado. A companhia não chega para quebrar esta rotina.

Deito-me exausto e pensativo. Um pouco sem fé. Sei que é só agora... Pois só poderá melhorar. Em breve terei companhia, o resto da minha equipa estará comigo. Hoje soube que está para breve...

13.6.07

Dia 3 - Os Livros

4ª feira. O tempo tem passado a correr. Pelo menos é o que penso no final de cada dia...
Entre o trabalho a fazer e o tempo perdido no trânsito e nas horas de almoço, dou por mim novamente no hotel.
Tenho tido dificuldades em dormir. Será assim até me habituar aos horários. Desligo a TV e arrumo algumas coisas que tenho deixado para depois. E o depois é agora! - Penso.

Na mala tenho ainda 5 livros. Um outro já a meio está na cabeceira junto à cama, desde o primeiro dia: Amor em Tempos de Cólera, do Gabriel G. Marquéz.
Trago a Ilha das Trevas, do José R. dos Santos, que irei 'devorar' concerteza a seguir. Estou ansioso! Mas um de cada vez...
'Bom dia camaradas', do escritor angolano Ondjaki, 'O outro pé da Sereia', um romance do "meu" Mia Couto (como estão a ver, em África sê africano), 'A história do Amor', de Kicole Krauss (livro do ano) e também o livro do "desenjoo, 'O estranho caso do cão morto', de Mark Haddon, compoem parte das minhas aquisições deste ano, na feira do livro. Espero não os conseguir ler todos... Seria, neste caso, um bom sinal.

Fecho a mala e dedico-me ao primeiro, o que está na cabeceira. Afinal até estou a gostar deste! A mala fica, onde está e como está.

- Amanhã também é "depois".

12.6.07

Dia 2 - A Realidade

Acordo bem cedo. Esperam-me na entrada do hotel.
Cedo me apercebo que é normal acordar cedo: aqui ás 8 horas todo o mundo está nos seus empregos. Ou tem de estar, pelo menos.
Ok... Nem todo o mundo: o transito lá fora continua um caos! Será que foi assim toda a noite? Centenas de carros e pessoas invadem a rua que é das principais de Luanda e liga o centro á baixa da cidade. É uma "Avenida da Liberdade", como me explicaram, tentando compará-la com Lisboa. Acho que só mesmo pela sua importância aqui, nada mais. Entre grandes prédios e carros, miúdos a vender de tudo pelo meio do trânsito parado e dos passeios imundos. Rua da Missão. São 30 metros apenas que separam o hotel do meu local de trabalho. Será assim nos próximos tempos. E será certamente assim até ao fim. 30 metros que se tornam em alguns 100, pois tenho a custo de evitar buracos, caixas de esgoto abertas no meio do passeio, carros e pessoas.
Pessoas! Tanta gente... O prédio de 12 andares tem 3 elevadores. Cabe sempre mais alguém. Soube depois que apesar de ter 3 elevadores, é raro não estar um deles avariado. Ou dois, pelo menos.
Vou até ao 6º andar. Fico feliz, são só 6 andares de sofrimento. Não pelo cheiro, que era de perfume barato, mas pela sensação de desconforto pelo silêncio que normalmente se dá nos elevadores. E além do mais sinto-me observado.
Simpatia. Toda a gente me sorri e me trata bem. Como "Dr.". Dizem-me que aqui é normal ser assim. Isso e andar de fato e gravata. É curioso ter de ser essa uma das minhas muitas preocupações aqui. Ah! E andar sempre com cartões de visita. Mas felizmente vim prevenido para estas situações.
As instalações trouxeram-me de volta a mesma sensação que tive no aeroporto: será que recuei no tempo?
A vista a oeste é lindíssima. Vê-se toda a baía ao longe, mas ao mesmo tempo tão perto. Nota-se a presença dos portugueseses em alguns edifícios que cá deixaram, mas que eu ainda desconheço o que são, para que servem e qual o seu nome. Saberei tudo em pouco tempo, espero...
Após o protocolo boas vindas e saudações cordiais de toda a manhã, acabo por ir almoçar. O motorista leva-me ao "Embaixador". Restaurante português. Agradável, boa comida, algo caro... e muito (mas mesmo muito!) demorado. Caro aqui é tudo, mas este consegue ser mais. Mas gostei... Da comida e sobretudo da companhia de pessoas da mesma empresa que aqui estão também. E dá para matar um pouco a solidão e as saudades de casa.
Á noite sinto o conforto de ver na TV os canais portugueses. As notícias, as novidades, e até as novelas que nunca vejo.
Não há net nos quartos, apesar das instruções que estão na secretária me apelarem ao contrário.
- Só no bar, dizem-me na recepção. E aqui estou, agora mesmo, a fazer passar o tempo e a matar saudades e contar novidades a quem passa por mim, aí desse lado.
Agora já sei qual o meu espaço aqui. O meu dia a dia, e as pessoas que o preenchem.
Dou-me por satisfeito, sobretudo pela simpatia que tudo me transmite. Tudo e todos.

11.6.07

Dia 1 - O Choque

Após uma quase interminável viagem - e 9 horas (!) dentro de um avião - cheguei a Angola.
Não dormi nada, apesar das condições serem boas para tal: viagem em classe executiva, sentado numas confortáveis poltronas cheias de botões (alguns nem cheguei a perceber para que serviam) num B777 quase a estrear mas já avariado sem sistema de vídeo nem de som. Enfim, não se pode ter tudo.
Ao meu lado um brasileiro quarentão, já muito rodado nestas andanças. Bem disposto, simpático, conversador e com o banco avariado - afinal os botões do lugar dele é não serviam mesmo para nada. Não sei se eu conseguiria dormir durante a viagem, mas a verdade é que acabei por lhe fazer companhia numa longa conversa, quase um monólogo, pois eu estava enterrado em outros pensamentos. Sinceramente nem me recordo do que falámos. Da boa comida que serviram ao jantar, do vinho alentejano... e pouco mais, foi o que consegui reter.
6.15 da manhã - respiro o primeiro ar de Luanda. Apesar de ser inverno, estão 23 graus já a essa hora. Custa um pouco respirar, não propriamente pelo ar, mas pelo cheiro que se sente. É indescritível... Não consigo definir qual a sua origem nem a sua intensidade. Está em todo o lado: no ar, nas coisas, nas pessoas... e logo se entranha em mim e em tudo o que trago comigo.
Agora me apercebo o espectáculo que é o nosso Aeroporto da Portela... Aqui parece que recuei no tempo! Só sei que é real pelo pó e pela sujidade das coisas que vejo.
No check-in fazem-me mil perguntas, com uma antipatia que me dá a perfeita ideia que não sou benvindo. Após todas as muitas burocracias, lá me deixam passar. Seguindo o aviso, tive o cuidado em não dizer que vinha trabalhar para cá, senão corria o risco de me mandarem de volta. Vim "dar formação" - é o mais perto da verdade que soube dizer, tentando não mentir.
Quase 2 horas depois vejo finalmente a luz da rua. Por momentos arrependi-me, e preferi ter ficado mais tempo à espera das malas... Mas seria apenas um adiar de emoções e de curiosidade.
Tanta gente esperando tanta gente! Incrível. Num relance lá vi o Milton (soube depois o seu nome) com um cartão. Era quem me esperava.
Foi um choque - toda a viagem desde o aeroporto ao hotel foi marcante. O trânsito. Já me tinham dito como seria, mas nunca pensei que fosse assim tanto. Ah... Minha bela Lisboa em hora de ponta! Acho que vou ter saudades.
Não sei ainda se foi de propósito ou apenas para fugir (!) ás estradas mais movimentadas, mas a verdade é que parece que dei uma volta por toda Luanda.
Grandes carros, grandes casas, grandes muros, grandes seguranças... e no meio da rua e das casas a maior das pobrezas. Para mim está visto, não quero ver mais do que vi.
Ligam-me. Afinal não vou trabalhar já hoje... Só amanhã. Sorrio com a ideia, e penso que realmente preciso de descansar e de assimilar primeiro tudo o que vi e estou a ver. Preciso de tempo para respirar fundo e encarar esta realidade e a minha nova realidade. Afinal de contas, vou ficar muito tempo por cá.
Chego ao hotel. Trópico. O melhor de Luanda, segundo dizem. Através do loby, pela decoração e pelas pessoas que vejo passar, penso que é bem capaz.
O melhor de tudo foi sentir que dentro do hotel é outro mundo. Chega a ser reconfortante ver e falar com pessoas que não conheço, mas que sinto que sentem o mesmo que eu. Por momentos deixei de estar só. Um mundo aqui dentro, outro lá fora.
Descanso o resto do dia. Não almocei sequer, pois passei pela hora a dormir.
O quarto é bom, asseado. Tenho umas peças de fruta na mesa, em jeito de boas vindas. E duas garrafas de água do luso. Ok, uma para beber e outra para lavar os dentes, faz sentido.
Ao final da tarde ligam-me de novo, da empresa. Vêm ter comigo. Bom e mau, já que estava tão bem a dormir, e "escondido" desta realidade.
Acabo por jantar com eles. Dão-me as boas vindas, falam-me de lugares e de pessoas. Falam-me com um sorriso e simpatia. Sinto-me bem.
- Preparado para o primeiro dia? Perguntaram-me. Pois, afinal este foi o dia zero.
- Sim, respondi. Estou preparado.
Voltei ao hotel e ao meu quarto no 10º andar. Entre a ansiedade pelo próximo acordar e o querer resisitir às horas que ainda faltam, lá consegui adormecer e partir para a terra dos sonhos. Sonhei que tudo isto era um sonho.
Mas será que acordei e continuo a sonhar?

10.6.07

Dia 0 - A Preparação

"Faltará sempre alguma coisa depois de fechar a mala - é sempre assim, desta vez não será diferente."

Foi este o meu último pensamento ao sair de casa. Pensei e disse. A minha preocupação estava no que preciso de levar comigo, e não nas coisas que ficam. E isto porque não posso olhar para trás, mas apenas pensar no que há-de vir, e no que me espera lá longe.

Chove lá fora... Chove sempre nas despedidas. Será um presságio? Ok, é bom sinal! Recordo que tudo correu sempre bem com a chuva de outras despedidas.

Faço um esforço... e tento não chorar. Tento sempre parecer muito forte nestas alturas, não por orgulho mas sobretudo para minha defesa. Invento os sorrisos, escondo a tristeza e a angústia bem cá dentro. De facto, chorei de noite e sorrio agora, nem entendendo como consigo. Bem, se calhar sou mesmo forte! Hum... Não sei. Não me parece...

- Lágrimas é que não vale!
Lembro-me que foi a última coisa que disse no aeroporto, mesmo antes de virar as costas (e virei instantaneamente, porque desatei a chorar também...) e dirigir-me para a porta de embarque. É o sítio mais triste deste mundo... Pergunto-me quantas lágrimas não nos caíram ali, naquele local que tão bem representa a barreira entre a alegria e a tristeza, o certo e o incerto... Como se aquela porta fosse mesmo um virar de página nas nossas vidas? O bom, e o mau.
Não disse nem mais uma palavra... a partir desse momento estava só. E só então percebi que era real. E só então senti a falta que irei sentir. Só.

O avião parte com atraso... Dizem-me que é normal. Nem a presença do Mantorras (será que passou no detector sem apitar?) me deu algum conforto naquela altura... Quer dizer, até deu... Esbocei um sorriso quando trocámos um olhar e fiquei até com a impressão que ele me conheceu - Já não se pode andar na rua que é isto! - Mas não me pediu nenhum autógrafo.
Já no ar, vejo pela janela a ponte Vasco da Gama. Passa-la-ei no meu regresso, quando vier por uns dias a casa, daqui a uns... Meses?? Fecho os olhos, incrédulo.
- Será tudo isto um sonho mau? Meu Deus... Vai ser tão difícil!

E foi assim... Com o coração na boca (o meu terror em andar de avião não ajudou mesmo!) lá segui o meu destino - ou pelo menos prefiro pensar que fui eu que o escolhi e não Deus - e entrei no mundo dos sonhos e pesadelos, e também muita turbulência.
Só uma coisa me intrigava: como será Luanda?

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