Difícil não é sentir a falta de quem nos faz falta.
É pensar no tempo que falta, no tempo que não volta e sufoca, e nas voltas da vida que o tempo nos dá. Fica a esperança de que o tempo aqui me sorria e me traga a vida de volta.
E tem sorrido...


14.7.07

Dia 34 - A Feira

Hoje fui à feira. Deixei a praia de lado e fui à feira. Melhor ainda, à Feira Internacional de Luanda. A FILDA.
A FILDA é aqui no fim do mundo. Ou depois ainda. Antes passei no que mais se aproximou de um fim do mundo que idealizo. Passei obrigatoriamente sem querer por um musseque (entenda-se bairro) com milhares de habitantes e toneladas de lixo. Restos de pessoas e restos de lixo, em plena comunhão. Ficou-me a imagem de um rio morto verde radioactivo por entre o musseque, onde crianças e dejectos e lixo e animais vivos e mortos partilham em alegria o desprazer de um banho. Incrível.
Mas lá cheguei à FILDA. É como estar em casa, em Lisboa, mas uns anos atrás... Aqui é sempre uns anos atrás. Uma série de pavilhões mal divididos por países onde Portugal tem lugar de destaque. Quase um pavilhão pleno de Portugal e de saudades e de muitos portugueses que aqui têm ou pretendem ter um lugarzinho neste céu empresarial de Angola. E lá vão tentando e bem conseguindo. Por momentos junto a eles jurei que estava aí. É tão bom sentir isso...
Mas cedo deixei a feira após uma esplanagem da praxe e voltei ao hotel. Deixei depois o hotel após um reconfortante descanso e voltei à ilha. Chill Out, desculpem o abuso. Mas desta vez fui também para jantar. Uma nouvelle cuisine que muito me impressionou mas pouco me satisfez. Confesso. Nouvelle cuisine aqui? Doidos. Mas até estava muito bom! E o jantar também.
Ali me deixei ficar até bem tarde, como já vai sendo um hábito semanal. A música já conheço de cor... E até nem gosto muito, é verdade. Mas soube-me bem continuar a sentir-me longe daqui. E vamos conhecendo e reconhecendo pessoas que nem sabemos de onde. E revisitando amigos e espaços que já me são comuns. Esqueço-me das horas do tempo e da distância e quase volto a uma adolescência que cedo sinto que afinal também tinha saudades. Ser jovem. Saudades quase tantas como as que tenho de casa. Lembrei-me dos meus amigos de sempre... E hoje brindei a eles tendo o mar à minha frente. Este nosso mesmo mar que daqui nos une tão forte como a saudade e a nossa eterna amizade. A todos vós.
Salvé.

13.7.07

Dia 33 - O Treze

Sexta-feira. Mais uma. E finalmente acaba esta semana. Menos uma.
Foi tão longa... Foi sem dúvida a mais complicada para mim desde que cheguei. Todo o cansaço acumulado que fui adiando sem querer ao longo destes trinta e três dias abateu-se sobre mim esta semana. Justamente.
É normal, dizem-me. O primeiro mês passa-se bem, mas depois paga-se bem também. As coisas novas perdem aos poucos o seu brilho e torna-se difícil segurar e manter acesa a motivação que aqui me trouxe. E que aqui me prende.
Este dia custou-me muito. Ao contrário das outras sextas-feiras, o que eu mais desejei foi que a semana terminasse. Não por querer 'viver' o fim de semana que chega mas sim por querer que esta semana chegasse ao fim. E bem rápido.
Não sou supersticioso. Nada mesmo. Mas no início do fim deste dia de sexta-feira 13 fui para o meu quarto de hotel e não saí mais. Porque nunca se sabe. Tive mesmo aquele pressentimento de que hoje me iria acontecer alguma coisa. Só podia, pensei. Não que o merecesse, mas a verdade é que em 33 dias passei ao lado de tudo e nada me aconteceu. Estive sempre em grande, contra as estatísticas. Seria então hoje, de certeza. Por isso evitei... Não acredito na pura sorte. Adormeci calmo e cedo no meu quarto e passei pela meia noite a dormir.

12.7.07

Dia 32 - A Rainha Ginga


Largo Kinaxixe. Ei-la de bronze lá no alto do seu pedestal guardando alerta e de arma em punho a Rua da Missão e toda Luanda. É Nzinga Mbandi Ngola, ou a rainha Ginga.
A rainha de Matamba e Angola tornou-se mítica desde o século XVI e um autêntico símbolo nacionalista do povo angolano pela sua luta e resistência à ocupação do território angolano pelos nossos antepassados portugueses e ao consequente tráfico de escravos da altura. Sendo um símbolo de Angola, não o é concerteza para os portugueses. Nem de boa memória.
Mas quase quinhentos anos depois a sua figura continua omnipresente como um símbolo nacional e a sua personagem revolucionária continua imponente e viva desde o seu altar. É igualmente um símbolo ao femininismo e à igualdade de direitos para as mulheres, igualdade essa que hoje em dia se vai notando aqui com alguma sobriedade. Há poucos homens, uma (in)feliz consequência da guerra.

11.7.07

Dia 31 - A Missão

Rua da Missão é a minha rua aqui em Luanda. A minha rua onde com relativa facilidade se podem encontrar o 'meu' hotel, a 'minha' empresa e o 'meu' restaurante, espalhados e desarrumados rua abaixo. Nada meus, claro. Mas tento acreditar que sim, para poder ter algo aqui a que possa chamar carinhosamente de minha casa. E caridosamente de minha rua.

Não é gira, confesso. É ampla e comparando-a com outras merecia bem o distinto título de avenida. Mas não é nada gira. Tem altos prédios feios e velhos, no meio de outros prédios feios e novos, divididos por casas rastejantes e muros de betão. É caoticamente movimentada, ao longo das suas quatro faixas de rodagem, separadas a meio por um cimentado passeio e limitadas na margem por outros passeios com árvores frondosas cuja espécie nem sei. São grandes. Para além dos passeios marginais e junto às casas, mais uma faixa de cada lado da rua e mais lugares de estacionamento. Os tais altos prédios feios e velhos parecem sustentos pelos seus altos pilares em betão ao longo de toda a rua. Sob eles a sombra acolhe quem aqui mora ou apenas passa, dando ao espaço uma falsa sensação de frescura e à rua uma amplitude ainda maior. É sob estas arcadas que as pessoas se movimentam com relativa segurança. Não passeiam, movimentam-se. Tudo o resto é confusão e carros. Em movimento ou estacionados. Em todo o lado.

Mas a minha rua tem coisas importantes. Sim. É aliás uma das ruas mais importantes aqui em Luanda, e bem junto ao coração da cidade. Tem alguns bancos e dois hotéis. Tem um casino, sapatarias e variadas lojas de mobiliário. Tem restaurantes e outros quase restaurantes. Tem artesanato, engraxadores e casas ou pessoas de câmbio na sombra das arcadas, onde muitas outras coisas se vendem. Tem clínicas de saúde em casas coloniais, tem arrumadores prestando o seu serviço cívico por nós remunerado, e tem exagerados placards publicitários que nos olham lá do cimo dos prédios e das fachadas dos prédios altos e feios.

Mas sobre tudo isto sobretudo existe pó. Muito pó, como a neve que paira e nunca chega a cair.
Mais curioso é que todos os dias me surpreendem coisas novas aqui na minha rua. Coisas que vou aos poucos reparando, e que pela primeira vez lhes dou atenção. Dou por mim a pensar se isto ou aquilo nasceu nesta noite ou está aqui desde sempre. Nem sei. Lembro-me que no primeiro dia que aqui cheguei tudo vi e não vi nada. Não quis ver. Olhava na rua apenas para mim mesmo, pois só aí encontrava conforto. Mas ganhei nela a sua confiança e conquistei horizontes de dia para dia. Fui perdendo o receio do que via e de quem via, e aos poucos comecei a sentir-me na 'minha' rua. E já sinto isso um pouco. Sim. Dou por mim ao final de cada dia a olhar lá para fora, contemplando-a através da janela do meu quarto. A minha rua está calma à luz da luz e aos meus olhos deslumbra-me com uma rara normal beleza.

A Rua da Missão já faz parte da minha vida. Mais do que apenas uma rua em Luanda ela é para mim uma autêntica avenida. É a 'minha' avenida.

10.7.07

Dia 30 - A Cuca


Cerveja.
Já aqui tinha falado com prazer sobre a sagres bohemia. É a minha preferida, claro. Hum... depois da Carlsberg. Mas aqui em Luanda fiquei surpreendido pela variedade de marcas de cerveja disponíveis no mercado. Há de tudo em qualquer bar ou restaurante de esquina. Em lata, garrafa ou mesmo a imperial fresquinha. Não fazia nem ideia.
Também há vinho... e do bom. Os vinhos portugueses, tal como os portugueses, também se encontram aqui ao virar de cada esquina. Mas não são para qualquer bolso. Não mesmo. Uma garrafa de Monte Velho chega a custar mais de 50 dólares e por isso beber vinho aqui é, mais do que um prazer, um acto de afirmação social. É in. É para quem pode e precisa, ou só para algumas ocasiões bem especiais.
Resumindo, ainda não bebi vinho.
Mas felizmente há a Cuca, que é a cerveja de cá. Tem nível. Com surpresa. É leve e bebe-se bem. Estilo cristal, mas melhor. A Cuca é o 'Matias Damásio' aqui das cervejas. Ficamos desde logo a gostar, como um quase amor à primeira garrafa, que curiosamente é de 31 cl. E o que significa CUCA? Companhia União Cervejeira de Angola. Do best.

9.7.07

Dia 29 - A Música

Incrivelmente soube que na noite louca que passei há uns dias atrás no Jango presenciei a actuação de um artista de top aqui em Angola. Matias Damásio, de seu nome. Pelo aspecto ninguém diria... Mas é. E depois percebi porquê. 'Porquê' é o nome do hit que se tem ouvido por aqui. Muito bom.

Também Paulo Flores tem estado presente na música dos nossos dias. E noites. No trabalho, no quarto, no carro e nas noites passadas junto à praia. Haja boa música, e ele está lá.

Sei pouco mais de sons por aqui... Sou bom ouvinte mas péssimo para nomes. E os nomes aqui são bem difíceis, raios!
Mas para os interessados, cá vai um pouco de som e ritmos africanos, desde Luanda com carinho. E boa música.

8.7.07

Dia 28 - A Nostalgia

Procurei em tempos encontrar significados diferentes para nostalgia e saudade. A tarefa tornou-se difícil, já que nostalgia sempre foi para mim uma sensação de saudade, e a saudade sempre a vi e senti com nostalgia.
Mas hoje sinto que consegui. Tive tempo para pensar nisso e consegui separar vagamente esses conceitos. Achei então por bem atribuir a nostalgia aos óptimos momentos passados nestes últimos dias em Angola, entregando a saudade aos momentos que aqui me faltam por estar tão longe. Ao passado antes de Angola.
Luanda é assim a Nostalgia e Portugal é a Saudade. Afinal é fácil - Pensei. Muito fácil. Mais difícil foi conseguir passar este dia sentindo a nostalgia ainda acesa dos tempos vividos e ao mesmo tempo a remota saudade e a vontade de ir para casa.
Hoje foi um dia triste. Tal como o mar calmo depois das calemas. Cinzento e mudo. Foi um dia de domingo que começou com um adeus e acabou com um olá a um novo sentimento e a uma nova realidade. Hoje findam quatro semanas de nostalgia e começam outras quatro de saudade. Hoje penso que afinal vai ser bem difícil e começo já a contar os dias que faltam. Mas talvez o sinta só porque está a tornar-se difícil passar este dia. Talvez.
P.S. e M. - vamos ter saudades vossas. Saudades e nostalgia.

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