Difícil não é sentir a falta de quem nos faz falta.
É pensar no tempo que falta, no tempo que não volta e sufoca, e nas voltas da vida que o tempo nos dá. Fica a esperança de que o tempo aqui me sorria e me traga a vida de volta.
E tem sorrido...


11.6.07

Dia 1 - O Choque

Após uma quase interminável viagem - e 9 horas (!) dentro de um avião - cheguei a Angola.
Não dormi nada, apesar das condições serem boas para tal: viagem em classe executiva, sentado numas confortáveis poltronas cheias de botões (alguns nem cheguei a perceber para que serviam) num B777 quase a estrear mas já avariado sem sistema de vídeo nem de som. Enfim, não se pode ter tudo.
Ao meu lado um brasileiro quarentão, já muito rodado nestas andanças. Bem disposto, simpático, conversador e com o banco avariado - afinal os botões do lugar dele é não serviam mesmo para nada. Não sei se eu conseguiria dormir durante a viagem, mas a verdade é que acabei por lhe fazer companhia numa longa conversa, quase um monólogo, pois eu estava enterrado em outros pensamentos. Sinceramente nem me recordo do que falámos. Da boa comida que serviram ao jantar, do vinho alentejano... e pouco mais, foi o que consegui reter.
6.15 da manhã - respiro o primeiro ar de Luanda. Apesar de ser inverno, estão 23 graus já a essa hora. Custa um pouco respirar, não propriamente pelo ar, mas pelo cheiro que se sente. É indescritível... Não consigo definir qual a sua origem nem a sua intensidade. Está em todo o lado: no ar, nas coisas, nas pessoas... e logo se entranha em mim e em tudo o que trago comigo.
Agora me apercebo o espectáculo que é o nosso Aeroporto da Portela... Aqui parece que recuei no tempo! Só sei que é real pelo pó e pela sujidade das coisas que vejo.
No check-in fazem-me mil perguntas, com uma antipatia que me dá a perfeita ideia que não sou benvindo. Após todas as muitas burocracias, lá me deixam passar. Seguindo o aviso, tive o cuidado em não dizer que vinha trabalhar para cá, senão corria o risco de me mandarem de volta. Vim "dar formação" - é o mais perto da verdade que soube dizer, tentando não mentir.
Quase 2 horas depois vejo finalmente a luz da rua. Por momentos arrependi-me, e preferi ter ficado mais tempo à espera das malas... Mas seria apenas um adiar de emoções e de curiosidade.
Tanta gente esperando tanta gente! Incrível. Num relance lá vi o Milton (soube depois o seu nome) com um cartão. Era quem me esperava.
Foi um choque - toda a viagem desde o aeroporto ao hotel foi marcante. O trânsito. Já me tinham dito como seria, mas nunca pensei que fosse assim tanto. Ah... Minha bela Lisboa em hora de ponta! Acho que vou ter saudades.
Não sei ainda se foi de propósito ou apenas para fugir (!) ás estradas mais movimentadas, mas a verdade é que parece que dei uma volta por toda Luanda.
Grandes carros, grandes casas, grandes muros, grandes seguranças... e no meio da rua e das casas a maior das pobrezas. Para mim está visto, não quero ver mais do que vi.
Ligam-me. Afinal não vou trabalhar já hoje... Só amanhã. Sorrio com a ideia, e penso que realmente preciso de descansar e de assimilar primeiro tudo o que vi e estou a ver. Preciso de tempo para respirar fundo e encarar esta realidade e a minha nova realidade. Afinal de contas, vou ficar muito tempo por cá.
Chego ao hotel. Trópico. O melhor de Luanda, segundo dizem. Através do loby, pela decoração e pelas pessoas que vejo passar, penso que é bem capaz.
O melhor de tudo foi sentir que dentro do hotel é outro mundo. Chega a ser reconfortante ver e falar com pessoas que não conheço, mas que sinto que sentem o mesmo que eu. Por momentos deixei de estar só. Um mundo aqui dentro, outro lá fora.
Descanso o resto do dia. Não almocei sequer, pois passei pela hora a dormir.
O quarto é bom, asseado. Tenho umas peças de fruta na mesa, em jeito de boas vindas. E duas garrafas de água do luso. Ok, uma para beber e outra para lavar os dentes, faz sentido.
Ao final da tarde ligam-me de novo, da empresa. Vêm ter comigo. Bom e mau, já que estava tão bem a dormir, e "escondido" desta realidade.
Acabo por jantar com eles. Dão-me as boas vindas, falam-me de lugares e de pessoas. Falam-me com um sorriso e simpatia. Sinto-me bem.
- Preparado para o primeiro dia? Perguntaram-me. Pois, afinal este foi o dia zero.
- Sim, respondi. Estou preparado.
Voltei ao hotel e ao meu quarto no 10º andar. Entre a ansiedade pelo próximo acordar e o querer resisitir às horas que ainda faltam, lá consegui adormecer e partir para a terra dos sonhos. Sonhei que tudo isto era um sonho.
Mas será que acordei e continuo a sonhar?

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